Arte e sociedade estão imbricadas desde que o mundo é mundo, embora a conceituação destas seja posterior às primeiras formas de manifestações sociais e artístico-culturais. Mas qual o papel da arte na sociedade? Seria impossível traçarmos um panorama das diversas formas de manifestações artísticas desde os primórdios até os dias atuais. No entanto, podemos perceber que a arte é resultante dos mais distintos fenômenos sociais e, ao mesmo tempo, pode intervir ou contribuir para a mudança dos rumos de uma sociedade. Tomemos como exemplo as pinturas rupestres produzidas pelos homens primitivos. Muitas retratavam, entre outras coisas, o cotidiano das primeiras sociedades, e principalmente a relação entre o homem e o meio natural, como por exemplo, a representação dos animais que desejavam caçar. Outras expressões da arte, como a Música e a Dança, estiveram inicialmente, ligadas a rituais de passagem, às festas e às celebrações religiosas.
Na Grécia antiga (por volta do séc. VI a.C.), nascia o Teatro, berço da Tragédia Ocidental e que muito mais tarde representaria as cenas do cotidiano nos palcos. Nesta mesma época, os homens gregos cultuavam o corpo através do esporte e utilizavam a arte para desenvolver a mente. Além daquilo que era considerado básico, como ler, escrever, contar, aprender música através de um instrumento e cantar, os jovens de Atenas aprendiam sobre os valores de sua cidade e de sua classe social. Embora uma pequena elite tivesse acesso a isto, já sabiam os gregos da importância da arte para o desenvolvimento de seus cidadãos.
Durante muito tempo, a arte foi (e continua sendo) utilizada para diversos fins: para servir a Igreja, para celebrações diversas, ritos de passagem, para representar os grupos, as nações (a partir do fenômeno dos nacionalismos) ou puramente para fruição das pessoas. Mas qual o papel da arte? Para que fazemos arte? Para que “consumimos arte”? De que forma “utilizamos” a arte em nossas vidas e em nossa sociedade? Mais do que respostas, o objetivo aqui é levantar reflexões sobre a arte e sua relação com a sociedade.
Em pleno século XXI, onde questões de extrema relevância como a saúde e a vida do nosso planeta urgem diante de nós, parece até dispensável ficarmos debatendo ou nos preocupando com a arte. No entanto, acredito que justamente por ser um “produto” sociocultural, a arte precisa ser cada vez mais repensada e vivenciada por todos. Em uma sociedade formada por mais de 7 bilhões de habitantes está ficando cada vez mais claro, a necessidade de revermos nossas atitudes e valores. Em um mundo “moderno”, onde guerras e conflitos, a falta de alimentos, de água potável, de ar puro (em algumas metrópoles) estão presentes em uma sociedade que “adoece” a cada dia, sinto cada vez mais que a arte é muito importante para o mundo. Em um país, onde parte considerável da população não tem acesso à rede de esgotos, onde temos um sistema público de saúde e ensino deficientes e onde as drogas ilícitas tem se tornado cada vez mais presente na vida e no cotidiano de jovens e adolescentes, sinto falta de falarmos em arte e na importância desta frente a este contexto. Cada vez que vejo o noticiário e me deparo com uma cena de violência nas escolas, nas ruas e nos lares, penso no real papel e na importância da arte em nossa sociedade.
Enquanto educador e artista, não consigo pensar arte longe da educação. Elas têm que andar juntas. Talvez seja muito óbvio, e por isso mesmo, ainda não se tenha levado a sério, nem por nós, nem por nossos governantes. Ao longo do período que venho atuando como professor de música, tenho a plena certeza de que a arte, seja a música, a dança, o teatro, artes plásticas e as demais expressões artísticas, precisam fazer parte da formação de todo e qualquer ser humano. Arte não serve apenas para distrair, para divertir. Ela tem papel fundamental, vital, no processo de formação dos indivíduos que constituirão uma nova sociedade.
É através da arte que desenvolvemos a comunicação, a expressão, a relação entre as pessoas e os grupos e toda uma gama de valores necessários à construção do ser humano e de seu meio ambiente. Entre os valores proporcionados pelo ensino-aprendizagem da arte, destaco o desenvolvimento de algo chamado sensibilidade, tão raro e escasso nos dias atuais. Como cidadão e educador, não tenho dúvidas de que se todos os jovens e crianças tiverem a oportunidade de ter o contato com a arte, seja através da música, da dança, da pintura ou do teatro, nós teremos um mundo muito melhor em poucas décadas. Certamente, teremos um cenário social com menos violência, mais tolerância, amor, fraternidade, alegria e mais qualidade de vida. A arte desenvolve a mente, eleva a alma, nos faz crescer, evoluir, compartilhar e nos torna melhores humanos.
Você sabia que em agosto de 2008, o Brasil promulgou a lei 11.769/08 que determina que as instituições de ensino público e privado, devem incluir o ensino de Música em suas classes de nível básico, fundamental e médio? As instituições tiveram, conforme a legislação, três anos, ou seja, até agosto de 2011, para se adaptarem. Neste período, deveriam ter contratado profissionais capacitados, organizado espaços e assim oferecer esta prática que é direito de todos educandos que irão formar nossa sociedade no amanhã. Você sabe o que está sendo feito no país, no estado e em nossa cidade neste sentido? E na escola do seu filho? É papel de todos nós, pais, professores e cidadãos, lutarmos pelo acesso ao ensino-aprendizagem da música e da arte em geral para as novas gerações.
Convivemos nos dias atuais com a drogadição e a violência assolando, sobretudo, a vida de nossos jovens. Os gregos já utilizavam, muitos séculos atrás, a arte para agregar valores aos seus cidadãos. E nós, como utilizamos a arte? Pensar em arte é pensar em educação. E educar através da arte é transformar a sociedade e o mundo em um lugar melhor.
José Daniel Telles
José Daniel é rio-grandino e atua como violonista e educador musical desde 2001. É Bacharel em Música-Violão pela UFPel e Mestre em Memória Social e Patrimônio Cultural pelo Instituto de Ciências Humanas da mesma Instituição, onde desenvolveu pesquisa inédita sobre o violão pampeano de Lucio Yanel e sua relação com o fazer musical no sul do Brasil. Tem experiência na área de educação musical e em projetos sociais. Participou da operação Carajás do projeto Rondon em 2011, ministrando aulas de música no Tocantins. Atuou como educador musical no Colégio Salesiano Leão XIII. Foi fundador e coordenador do Espaço Musical JD, de 2006 a 2011. É Diretor Artístico do projeto Violões do Sul. Atua como violonista do Latino-América Duo, em parceria com Alexandre Simon. É membro da ANPPOM (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música). Conheça o trabalho de José Daniel em www.jdviolonista.blogspot.com.
Ótimo texto querido amigo! Parabéns, adorei!
ResponderExcluirBruno Alves Pires
Excluir