quarta-feira, 8 de agosto de 2012

COLUNA



Os 30 anos de Lucio Yanel no sul do Brasil
Parte 1

Olá amigos, em nossa última coluna falamos sobre o ensino de música e a importância da formação na área musical, principalmente para os profissionais dedicados ao ensino de música nas escolas. No espaço deste mês, vamos conhecer um pouco mais sobre a vida e a obra do violonista argentino Lúcio Yanel, um dos grandes nomes da arte sul-americana que há três décadas vem construindo uma história ímpar dentro do cenário cultural brasileiro. Fruto de um processo de ensino-aprendizagem informal, ligado à tradição oral, Yanel possui 50 anos de carreira, sendo que os últimos 30 anos de sua trajetória foram construídos no Rio Grande do Sul. Seu trabalho tem influenciado diversas gerações de músicos, sobretudo violonistas, que hoje formam o que muitos consideram uma escola violonística sulina, e por vezes denominada escola do Violão Pampeano. Nas linhas que seguem, vamos conhecer um pouco mais da vida e da obra deste importante mestre da arte Lúcio Yanel nasceu no dia 2 de Maio de 1946 na capital da província de Corrientes no mesopotâmico argentino. Ainda criança, já rasgueava um violão feito com cordas de arame que um vizinho paraguaio dedilhava e onde passou a ter contato com o instrumento. Posteriormente, passou a viver em Concordia, na província de Entre Rios no ano de 1960, onde começou a trabalhar como músico profissional. No ano de 1961, Lúcio Yanel se apresentou em um concurso de folclore no Club Ferrocarril de Concordia, obtendo o primeiro prêmio como solista. Aos 17 anos, decidiu viver em Buenos Aires, onde continuou acompanhando cantores e também passou a cantar gêneros musicais do folclore, tangos e boleros nas casas noturnas da cidade. Foi lá que posteriormente travou contato com músicos como Mercedes Sosa e Astor Piazzolla. Nesta época, realiza uma importante conquista para sua carreira, quando ingressou como primeiro violão no quarteto que acompanhava o violonista e cantor Adolfo Berón. Paralelamente, realizou atuações e gravações junto a Embajada Cartelera Correntina dirigida por Polito Castillo, sendo esta uma de suas primeiras atuações como profissional da música litoraleña. Em 1971, aos 25 anos, Yanel viaja para a ex-URSS onde realiza uma turnê durante setenta dias integrando o conjunto de musica litoraleña de Raulito Barboza.

Lucio Yanel com o quarteto de Raulito Barboza na Rússia
[Yanel é o terceiro na foto, da esquerda para direita]
(Acervo pessoal de Lucio Yanel, 2011)
Após regressar a Buenos Aires da turnê com o conjunto de música do litoral, Lucio Yanel mudou-se para São Paulo no início da década de 70 e travou um maior contato com gêneros musicais brasileiros. Após quase uma década morando no Brasil, Lucio decide regressar a seu país, onde permaneceu por apenas mais quatro anos, até o período em que ocorreu a Guerra das Malvinas no período de Abril a Junho de 1982. Segundo Lucio Yanel, após a guerra, muitas pessoas que não tinham um vínculo empregatício, sobretudo os artistas, músicos, pintores, artesãos, abandonaram o país em busca de novas oportunidades. Por essa razão, Yanel decidiu iniciar uma nova carreira como artista no sul do Brasil.

No dia 14 de Julho de 1982 Lucio Yanel chegou ao Rio Grande do Sul para iniciar uma nova caminhada como músico no sul Brasil. Segundo sua narrativa, ele pegou seu violão, algumas roupas e veio de ônibus para cá. Junto consigo, trazia uma encomenda para Algacir Costa, músico e proprietário do conjunto Os Fronteiriços, na cidade de Passo Fundo. Algacir Costa era pai de Yamandú Costa, que na época possuía um não e meio de idade e que mais tarde se tornaria um dos mais ilustres discípulos de Yanel. Depois de sua passagem por Passo Fundo, onde tocou no primeiro festival de música nativista daquela cidade, Carreta da Canção, Yanel passou a residir em Porto Alegre, em busca de novas oportunidades. Assim, um ano após sua chegada, Yanel conseguiu lançar sua carreira oficialmente através de seu primeiro disco como violonista solo no Rio Grande do Sul. O disco se intitula La del Sentimiento: La guitarra de Lucio Yanel. Em 1986, Yanel lançou seu segundo disco instrumental, intitulado Guitarra Pampeana. Com este título, o músico provavelmente buscava apresentar ou associar o violão que interpretava a uma identidade musical do Pampa. Este álbum registra a participação dos músicos é a participação dos músicos instrumentistas Carlos Perez, Luis Carlos Borges e Renato Borghetti.

Capa do LP Guitarra Pampeana, lançado em 1986.
(Fonte: Acervo pessoal)
‘Na contracapa deste disco, Yanel fala o que significa e representa para ele tocar um violão e de que maneira isso ocorre. O artista fala de “sons, sotaques diferentes, sem moldes” como alguém que tenta definir ou identificar sua guitarra pampeana, híbrida pela diversidade de gêneros, timbres, cores, pessoas, lugares e paisagens que carrega consigo.

Pulsar uma guitarra significa para mim, percorrer os movimentos
musicais diferentes, que encerra a cultura do Homem do nosso
povo. Por isso a minha guitarra companheira, emite sons, sotaques
diferentes sem moldes, solta, livre... Deixo então neste disco um
pouco dessas vibrações. Colaboraram para o enriquecimento deste
trabalho os meus irmãos de Música e sentimento: Luiz Carlos Borges,
Carlos Perez e o Renato Borghetti. Todos eles, deram-me [sic] uma

preciosa mostra de generosidade [...]. A todos, com a minha maior
sinceridade, Muchas Gracias. (YANEL, 1986)

Apesar de ter um repertório musical, baseado no folclore latino- americano e pampeano, o violonista sempre buscou apresentar um estilo próprio, agregando elementos pessoais que caracterizam suas interpretações, como veremos no próximo mês. Através deste estilo que compreende características técnico-musicais e extramusicais, o violão de Yanel se apresentou como uma novidade dentro dos festivais regionais e do cenário musical sul-rio-grandense. Assim, o artista teve a oportunidade de realizar novos trabalhos e parcerias, como veremos na continuação deste artigo, o que foi definitivo para sua permanência no estado.
Para encerrar a primeira parte desta coluna dedicada a Lucio Yanel, queremos registrar que no último dia 14 de Julho de 2012, completaram-se 30 anos de sua atuação no cenário cultural sul-rio-grandense. Através deste registro, desejamos homenagear Lúcio Yanel por seu importante trabalho dentro do cenário cultural sulino nas últimas três décadas. Mais do que o reconhecimento, queremos registrar nestas linhas, o agradecimento a Lucio Yanel por sua música e sua arte, presente em nossa memória e cada vez mais reconhecida e integrante da nossa história.




José Daniel Telles
José Daniel é rio-grandino e atua como violonista e educador musical desde 2001. É Bacharel em Música-Violão pela UFPel e Mestre em Memória Social e Patrimônio Cultural pelo Instituto de Ciências Humanas da mesma Instituição, onde desenvolveu pesquisa inédita sobre o violão pampeano de Lucio Yanel e sua relação com o fazer musical no sul do Brasil. Tem experiência na área de educação musical e em projetos sociais. Participou da operação Carajás do projeto Rondon em 2011, ministrando aulas de música no Tocantins. Atuou como educador musical no Colégio Salesiano Leão XIII. Foi fundador e coordenador do Espaço Musical JD, de 2006 a 2011. É Diretor Artístico do projeto Violões do Sul. Atua como violonista do Latino-América Duo, em parceria com Alexandre Simon. É membro da ANPPOM (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música). Conheça o trabalho de José Daniel em www.jdviolonista.blogspot.com.

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