quinta-feira, 21 de março de 2013

Literatura de Quinta - com Giliard Barbosa


De mendigos e Coca-Cola
Por Giliard Barbosa

Um mendigo tosco, sujo e deficiente, senta-se atrás de mim.
E, inquieto, toma seus últimos goles de Coca-Cola
- maldito mundo do capital -
como se jamais fosse reencontrar
tamanho néctar.

Ergue-se e, torto,
verte toscas gotículas
do sacro líquido
por sobre a minha cabeça.

Ao que levanto exaltado,
enquanto ele pede que eu deposite o lixo
em seu devido lugar.

E, nos olhos dos outros
nos gestos dos outros
asco é a palavra latente
como se ele
- caixa de Pandora -
contivesse todos os males do mundo.

E o seu cheiro podre,
seu aspecto podre,
este imenso pedaço podre de nada
o que é?

É a verdade.

Sim, a verdade.
porque, na sua podridão,
ele mantém a pureza
que guarda quem já não tem o que perder.

E eu,
que me visto toscamente melhor,
que cheiro infinitamente melhor,
que sou polido, educado, querido, exemplar...
o que sou?

Um conjunto harmônico de podridões veladas.

Porque com essa roupa,
esse cheiro,
essa educação,
esse sorriso no rosto,
sou apenas o retrato que pintaram do que nunca fui.

Há um descompasse
entre a máscara que me emprestaram
e a fétida, hipócrita, cômoda
carniça
que se esconde sob os meus tecidos.

Parece mentira,
mas toscas gotas de Coca-Cola
hoje
me fizeram pensar.

E me fizeram perceber
que o tosco mendigo sujo deficiente,
em sua casca,
era o meu eu de dentro.

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Giliard Barbosa faz de tudo um pouco: curte corrida, fotografia, gastronomia, e estuda teclado - mas não toca nada. Escreve desde pequeno aquilo que chama de pseudopoemas. Formado em Letras, é professor de espanhol e mestrando em História da Literatura pela Furg, onde estuda relações entre mito e literatura. Além de vir publicando alguns artigos sobre o tema, dá aulas de Literatura em projetos universitários e atua no grupo de teatro O Flato do Gato, dirigido por Geraldo da Silva. Sempre que uma palavra lhe coça os ouvidos, vai para o blog OCasmurro, depósito do arteiro poeta. 

6 comentários:

  1. Gostei deste poema verdadeiro e que traz algumas reflexões sobre nossos preconceitos.
    Muito bom Gilliard.

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  2. Os preconceitos nossos de cada dia..!!!

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  3. Gracias, pessoal!
    Contamos com vocês para o segundo semestre. :D

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  4. Estou dentro se me aceitarem Gilliard.
    Abraços e mais uma vez parabéns pela iniciativa do Fita e de seus parceiros.
    Adriane

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