THE HUNTER
A batida sobre a carne se repete ininterruptamente. O rock pesado retumba pelas caixas de som, que estremecem com o volume e o impacto da música.
O martelo cai sobre a carne sem piedade. A música vibra enquanto ele se balança freneticamente em frente ao espelho da cozinha.
A carne está quase no ponto. O sangue escorre em filetes aguados. Com certeza a refeição, embora violenta, será excelente hoje, principalmente depois do que teve que fazer para obtê-la.
Mistura de sal, cominho, para quem gosta um pouco de ketchup, a frigideira está quase no ponto.
Sim, sente a saliva tomar conta da boca enquanto o cheiro de óleo vai se espalhando pela casa isolada. Foi difícil, mas o prazer será imenso, o desafio exacerbou a fome.
A música entranha sua mente, a batida é quase impossível de não acompanhar. Ensaia uns passos desajeitados na cozinha minúscula. Está contente. Os restos do corpo ficaram em meio a mata. Mas hoje seu desejo e fome serão saciados.
A carne chia na frigideira.
O aroma empesteia a casa, sua cara e suas roupas. Mas, ah! Como é bom sentir esse cheiro novamente. Quanto tempo fazia? Três, quatro anos?
Não importa. Agora ele fez o que era preciso.
A porta range, alguns passos saltitam pela sala do casebre.
"Hoje tem carne" duas vozes infantis gritam entusiasmadas. Ele não pode conter o sorriso de satisfação que isso lhe traz. Somente isso lhe importa. O que teve que fazer...
Bife feito na hora, acompanhado de batata frita e uma coca cola obtida com muito custo, assim como a carne. Foi difícil, mas aí está. As crianças irão comer a melhor carne de suas vidas hoje. Isso é o que lhe dá forças pra prosseguir.
Se tiver que repetir tudo de novo amanhã, que assim seja.
O corpo na mata será encontrado, mas ninguém irá capturá-lo. Ele soube apagar seus rastros, como bom caçador que era, embora há algum tempo não pudesse praticar. Mas isso é coisa que não se esquece, mesmo depois de pagar a punição pelos atos do passado. Era isso ou ver as crianças continuar a minguar de fome. Agora, pelo menos, haviam algumas partes apetitosas na velha geladeira.
Pelo menos, por alguns dias elas poderiam comer. E ele, ele fazia o que era preciso, admitindo apenas para si que a caçada sempre lhe trazia uma dose de adrenalina maior do que seria de se esperar. Mas é que as presas, embora indóceis e ágeis, não eram páreo para sua habilidade e força.
Ele sabia desde sempre como matar.
O cheiro se espalhou pela casa, as crianças comem com sofreguidão, enquanto ele observa tudo com olhos frios e satisfeitos.
O rock retumba e ele sente algo parecido com felicidade.
Na mata, um filhote chora desamparado ao lado do corpo sem vida e mutilado de sua mãe.
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Adriane Dias Bueno nasceu em Rio Grande/RS, é casada e exerce a profissão de advogada. Participou de diversas Antologias da Ed. CBJE entre 2010 e 2012. Participou com “Crônica Transitiva”, na Edição nº 34, da Revista Samizdat, e com o poema “Multiplamente”, na Edição nº 36, desta mesma Revista Eletrônica. Publicou dois livros: “Casa de Ventos e Sussurros”, CBJE, 2010, e “Estranhamento”, Ed. Scortecci, 2012. Tenta rabiscar em dois blogs: www.avessasingularidade.blogspot.com.br e www.br392.blogspot.com.br. Pretende escrever por toda a vida.
Minha nossa... tive arrepios!
ResponderExcluirÉ mesmo Vanessa? Que bom era esse o objetivo. rsrsrs. Bjs querida.
ExcluirObrigada pela oportunidade de participar deste projeto tão legal.
ResponderExcluirAdriane
Oh que orgulho dessa guria... parabéns!
ResponderExcluirObrigada Robroy. Feliz por te ver aqui lendo no Blog do Fita. É muito bom. Aparece aqui mais vezes.
ExcluirOs colegas daqui são muito bons mesmo.
Bjs.