sexta-feira, 26 de julho de 2013

Experimentos de Tammie Faria


Sem título

Só pode ser
bruxaria
o que me acontece todo dia.

Bruxas romenas III ou Maldição

As bruxas da Romênia
Lançaram na quinta-feira
Um feitiço sobre os governantes do país.

Seus caldeirões continham
Excrementos de gatos
E cachorros mortos
Em lugar de olhos
De salamandra e pés de sapo.

O objetivo era amaldiçoar o governo
Após a adoção
De um novo regime tributário
Pra enfrentar a recessão.

A maldição não está sendo encarada com descrença
em um país onde a superstição tem tradição.

O ditador e sua mulher tinham até uma bruxa pessoal
Que perdeu a corrida presidencial
Durante um debate.

Sua equipe pôs a culpa em ataques
De energia negativa
Feitos pelos assessores do rival.

Maldição 
Lá na Romênia,
as bruxas existem
e são até toleradas pela igreja.

Lá na Romênia,
as bruxas assessoram governantes
e podem até ser eleitas.

Lá na Romênia,
as bruxas até protestam
contra 16% de imposto sobre os serviços.

Lá na Romênia,
tradição e modernidade
parecem conviver muito bem.

Maldição!


Naquela altura da vida, Georgina não imaginaria ter forças pra enfrentar essa situação. Mais de 40 anos dedicados ao trabalho, uma vida inteira de privações cuidando da vida dos outros e agora a necessidade de fazer contas pra fechar o orçamento, quando nem conseguia mais enxergar! Fazia décadas que sentia o aumento no custo de vida e nos custos dos materiais de trabalho. O quilo de pés de sapo na sessão de especiarias do mercado público já estava pela hora da morte desde a virada do século. Maldita mania do povo de acreditar em superstições. O fim do mundo previsto para agosto do ano 2000 e o outro fim do mundo em 2012 inflacionaram os preços de maneira desmedida. Mas ela segurou o orçamento dobrando o turno de trabalho, conquistando novos clientes com o marketing direto ao distribuir panfletos nos sinais e sem perder a fé no amanhã. A vida sempre foi de luta. Nem quando a amiga Mircea trabalhava de assessora direta do ditador as coisas eram fáceis. Os itens no supermercado eram racionados, o acesso à informação era controlado, as liberdades individuais eram desrespeitadas. Ainda assim havia um lado positivo: a saúde era de graça, a educação era de qualidade e o professor e os mais velhos eram respeitados. 

Quando Mircea perdeu a disputa pela presidência dois anos atrás, aí que o mau agouro se instalou. Os assessores do vencedor minaram o país de energia negativa. Muita disputa de poder, muitos interesses em jogo, inúmeros cargos de confiança sendo criados e o bem estar da população, os direitos dos trabalhadores, ficaram em segundo plano. O sonho da democracia foi sendo soterrado pela corrupção, o superfaturamento nas obras e a baixa qualidade dos serviços públicos. Mas fim de mundo mesmo para Georgina era passar a deixar mais de um sexto do salário todo mês nos cofres do governo. Já não bastava o caos na saúde? O preço das passagens de ônibus subindo todo ano? A desestruturação das escolas? 

Andou combinando pelas redes sociais um manifesto contra a cobrança de mais esse imposto.

- Desaforo o governo exigir o registro de antigas profissões e ao mesmo tempo levar boa parte do que conquistamos com o suor do nosso trabalho. Só porque o país está em recessão nós que pagamos o pato? 

Chamou as colegas da ativa e as inativas também e botou o caldeirão pra ferver. Era excremento de gato, cachorro morto, muito caco de vidro e ovo podre. Os manifestantes sairiam da praça principal rumo à frente ao palácio, onde a poção seria despejada. O objetivo era amaldiçoar o presidente e evitar o novo regime tributário. 
- Vem pra rua! Era o seu grito de guerra a partir de agora. Já podia vislumbrar um movimento nacional por todas as cidades do interior. A insatisfação tomando as ruas e culminando com uma greve geral. E se toda mobilização não desse certo, partiria para o plano B. Se aposentar e curtir a melhor idade no Brasil. As coisas deveriam estar melhores por lá.
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Tammie Sandri - Escrevo e crio para não morrer. E, portanto, vivo de arte. Do salário, eu sobrevivo. Entre letras, viagens e lembranças, me acostumo a nunca saber o que quero ser. E sou através dos personagens. Na vida real, sou mãe do João e técnica-administrativa em educação na FURG. Já participei de coletâneas e concursos literários e, em Cruz Alta, participei da fundação da Associação Artística e Literária A Palavra do Século XXI - Alpas XXI. Entre muitos sonhos engavetados, estudo imagem. Acumulo vontades, algumas frustrações e os diplomas de mestre em Comunicação pela UFSM, especialista em Gestão de Marketing e Comunicação e jornalista, publicitária e relações públicas pela Unicruz, radialista pela Oscip/Feplam e guia de turismo regional e nacional pelo Panflor/Qualificar - Unijuí. Atualmente me ocupo do Doutorado em Comunicação Social pela PUCRS. Um dia eu chego lá. No final do arco-íris. Um pouco da minha produção literária pode ser conferida pelo http://marchees.com.br/mrxclub/category/comportamento/, nas crônicas Com quem ficam os sonhos? Fim de linha, O que sobe e o que desce, A quatro mãos e Diante do espelho.

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