quinta-feira, 18 de abril de 2013

Literatura de Quinta - com Ju Blasina




A boiada

A vida não passa
de um eterno
tocar de bois

ainda que não se saiba
de certo
o caminho
ainda que não se aviste
de todo
seu fim
ainda que esteja frio
e não haja buraco qualquer
para esconder a si mesmo
e aos bois
ainda que esteja quente
e não haja sombra
quem dirá poço d'água
por menor que fosse
-postergaria a sede
mas não há
a água é uma utopia
o poço, uma miragem
a sede, uma verdade
e a vida
um pouco dum, outro doutro

e esse eterno tocar de bois

ainda que não haja pasto
para deitar-se sobre
a relva
para dar de comer
aos bois
ainda que não haja fruto
ou animal
menor
com o qual se possa enganar
as próprias tripas
- comer-se-ão umas às outras
em breve
não demora
não agora

agora é preciso tocar os bois

e eis que surge um rio
ou a miragem dele:
um grande buraco na terra
coberto de água, repleto
de pequenos animais
um lugar para matar
a sede e a fome de todo
homem ou boi
um lugar para esconder
a si mesmo
talvez?
antes fosse
miragem

mas é a morte

e não há outro caminho
a não ser esse que
uma vez trilhado
come a si mesmo
como as tripas
só resta seguir adiante
os bois têm fome
os bois têm sede
os bois têm medo
os bois têm pressa
ainda que de nada adiante
é preciso tocar os bois
rio a dentro
morte há dentro
sem demora

que a margem estreita se autodevora

agora
do caminho
só resta o rio
e fora dele
cada boi espera
sozinho
dentro do couro
dentro da boiada
por trás daqueles olhos
bestas
esperam o fim
da luta
entre o medo e a aceitação
do inevitável
não se pode correr
também pudera
já não mais há para onde correr
só resta agora aquele rio
onde o bicho menor
come o maior
e a água
que não mata
a sede
a tudo encobre

sob a superfície vermelha

agora
sob a couraça
cada boi receia
talvez antes
pouco antes
eles pudessem matar
a sede.
o homem
que pelo depois anseia
seguirá a boiada
pois também é bicho
também tem sede
medo e outras fraquezas
pois já não há tempo
já não há caminho
já não há razão
qualquer que o impeça
de assim o fazer
e, definitivamente
a si mesmo esconder
dentro daquele buraco

tudo que resta é a demanda
o destino
e o rio

é preciso tocar os bois. 

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Ju Blasina - Bióloga por formação e mestre em Fisiologia, guardou a literatura em gavetas até janeiro de 2009, quando então fundou seu blog P+2T [Poesias mais dois tantos]. Na mesma época, tornou-se colaboradora do caderno Mulher Interativa (Jornal Agora, RS) e da Revista Samizdat. Desde então, tem participado de diversos sites literários coletivo e de eventos culturais de sua região. Atua como redatora web e administradora de redes sociais. Integra os grupos Poesia no bar e Coletivo Fita Amarela. É mulher de artista, mãe de duas gatas [Rukia e Jani] e de um menino Dimitri [o Dimi] cujo sorriso nenhum verso parece capaz de descrever. Gosta de ter copos bonitos e neles boas bebidas como companhia da lida da escrita.

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