quinta-feira, 20 de junho de 2013

Literatura de Quinta - com Paulo Olmedo



O barbeiro
Por Paulo Olmedo

Largou a navalha sobre a pia, cumprindo o ritual diário que iniciara há trinta anos, no exato mesmo dia em que abrira a barbearia. Todo dia encerrava a jornada de trabalho fazendo a própria barba do mesmo jeito que seu pai havia lhe ensinado e com a mesma técnica que por três décadas arrecadaria clientes e admiradores. Mas havia algo de triste em sua última passada da navalha: há pouco soubera da notícia da morte de Seu Alberto.

O “Seu” tratava-se de uma mera formalidade, já que Alberto era praticamente de sua idade e menos que a iminência da morte o que o angustiava era a perda de seu melhor cliente. Sem Seu Alberto a barbearia ficaria atirada à sorte de eventuais – e cada vez mais raros – clientes, decerto apreciadores de um corte à moda antiga. Orgulhava-se de seu estilo e, principalmente, de nunca ter-se utilizado de geringonça eletrônica alguma, especialmente a tal máquina, da qual tinha particular pavor. Ao longo dos anos, viu uma mudança drástica ocorrer através da janela daquela pequena sala no Mercado Público. Os prédios modernizaram-se, a cidade inchou, mas tal qual o olho do furacão, ali e à sua volta pouquíssimo mudara. Sentia saudade do tempo em que filas acumulavam-se no sofá desbotado de sua barbearia. E ressentia-se, principalmente, do bate-papo agradável com os clientes, quase sempre discutindo as notícias do dia, estampadas no principal jornal da cidade.

Agora, tudo era diferente. Até o jornal havia reduzido sua tiragem em troca de uma participação maior na tal de internet, que ele sabia por longe como algo dentro de um computador. Ao depositar a navalha cansada de um dia de trabalho pensou em Seu Alberto e em como a presença daquele senhor agradava-lhe as tardes, três vezes por semana, fazendo esquecê-lo desses dias terríveis de poucas conversas e sorrisos. Lembrou também da paisagem outrora admirável a qual desvelava, ao fundo, a Lagoa, hoje algo impossível por conta de meia dúzia de prédios e lojas vindas de longe. Suspirou fundo, os meses não andavam generosos. Há alguns, havia perdido sua esposa, companheira de quase uma vida e alento para quando largava a navalha na pia, encerrando suas atividades diárias. Era um velho, pensou, que muito pouco teria pela frente e que talvez tivesse menos ainda, já que agora os negócios escasseariam de vez.

Não tinha nada a perder. Nunca fora, de fato, religioso, pelo contrário, as conversas que mantinha com os, então, vários clientes da barbearia o fizeram um cético. Pegou a navalha na mão, acariciou-a como o filho que nunca teve. Pensou, uma vez mais, que ninguém o esperava em casa. Pensou nos trinta anos de companheirismo que compartilhavam. Fechou calmamente a barbearia. Tudo havia mudado, só ele permanecera, esperando pelo desfecho inevitável. Colocou a navalha no bolso, seria a primeira vez que a levaria para casa. Sorriu um sorriso de esperança. Havia tomado uma decisão. Se voltasse amanhã, deixaria a barba crescer._______________________________



Paulo Olmedo - 
Formado em Letras-Português, pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Atualmente é mestrando do Programa de Pós-graduação em Letras – Mestrado em História da Literatura, pela mesma instituição. Escreve contos e tem experiência na área do audiovisual e teatro. É dono do blog Vida Irreal e, no momento, aposta no projeto Mini Olmedos.

Um comentário:

  1. Parabéns pela concisão. Uma boa história contada em poucas linhas. É isso ai!

    Temo a velhice. Já me sinto assim agora, imagina depois dos 60, 70, 80?

    Preciso comprar mais livros e filmes...

    ResponderExcluir