"Algo que você não consegue entender" - O médico
Chegou
em casa depois de um dia desgraçado de trabalho. Eram sete da noite, mas, para
a sua mente, estava mais para uma da manhã.
Abriu a porta de casa, que com o seu
movimento, arrastou um pedaço de papel branco dobrado ao meio. Entrou,
arrastando-o para dentro com o pé direito. Fechou a porta e se baixou para
pegá-lo.
“Entregue”, ele leu ao abrir o
bilhete. Estava escrito com letras recortadas de alguma revista.
Sentiu uma euforia. Estava
revigorado. Contente, alegre, nas nuvens, deleitado e mais qualquer outro sinônimo,
perfeito ou não. Sentiu que, apesar de ter sofrido durante o seu dia de
trabalho na receita federal, ele veio a valer a pena.
Olhou para a sua casa. Não era um
homem de grandes posses, apesar de ser médico. Tinha um bom emprego – era
médico - mas a construção da casa e o seu estúdio nos fundos, foram
responsáveis pela venda do carro, mas morava sozinho e a casa acabava por não
render grande ônus. Era uma boa casa em um bairro mais afastado da cidade. Mas
um bairro bom. Classe média alta. Grandes terrenos, grandes casas. A sua, no
entanto, era a menor delas. Não se incomodava.
Sala e cozinha eram divididas apenas
por um balcão, dando um aspecto semelhante ao de um bar, com os altos bancos de
madeira, mas com almofadas no acento. Boas almofadas. Pretas. Não tinha
carpete. Nem no quarto. Gostava, mas era mais difícil de limpar, fora que a
poderia acabar manchando, quando algum líquido, por exemplo, caísse em cima.
Por isso usava um piso flutuante de madeira clara. Um bege meio creme... Não
sabia dizer ao certo que cor era aquilo. Simplesmente achou bonito e escolheu.
Tinha uma mania de limpeza e tudo deveria estar impecável. Para não se
martirizar, preferiu esse “atalho”.
A secretaria eletrônica, que estava
em cima do rack, ao lado da televisão LCD de 32”, alertava para uma mensagem
gravada. Apertou o botão para que ela tocasse, enquanto começava a se despir,
desabotoando os primeiros botões da camisa vermelha, sua cor favorita.
- Oi, Gabriel... - Uma voz rouca e
sedutora emanava do alto falante, fazendo aquele “oi” arrastado – aqui é a
Patrícia. Vamos combinar algo? Me liga, viu?! Tens o meu número? 8407-845-42.
Saudades. Aquele beijo!
Pensou “Patrícia?...”. Se deteve e
pensou um pouco. Sorriu. “Ah, sim... Patrícia... Ôôôô Patrícia...”. Abriu um
sorriso largo. Essa era uma loira com quem havia se deitado no fim de semana
passado. Um espetáculo de mulher. Com roupa já era uma delícia. Sem então...
Foi de difícil abordagem, mas assim que conseguiu, a festa foi feita, e o
melhor, no apartamento DELA. Pernas longas e seios fartos e empinados. Não era
silicone.
Entrou no banho e ali ficou por vinte minutos.
Deixava a água morna bater com força em seus músculos doloridos de um dia
cheio. Lembrou do bilhete. Abriu um grande sorriso. Desses de orelha a orelha.
“Não foi mesmo um mal dia.”
Saiu do banho, pegou umas roupas
velhas no guarda roupas e vestiu-as. Fazia calor e o dia fora lindo e
ensolarado. Agora, a noite trazia uma maravilhosa e confortável brisa marítima.
Sentiu isso ao abrir a porta dos fundos de sua casa. Atravessou o pátio e foi
até o seu estúdio. Abriu a porta e entrou.
O estúdio é todo forrado com material
isolante acústico e coberto por uma espécie de carpete preto, inclusive nas
paredes. Tinha uma mesa de som com 10 canais, uma bateria, baixo, duas
guitarras, três pedestais com um microfone em cada, um amplificador para cada
guitarra e baixo, quatro caixas auxiliares para melhor distribuir o som dentro
da peça junto com as vozes, e um armário de metal de duas portas.
E tinha uma banheira no meio do
recinto.
Uma banheira, dessas antigas, branca
e com patas douradas de ferro.
Gabriel caminhou vagarosamente até a
banheira e viu que tinha uma jovem ali. Ela estava com as mão amarradas às
costas, assim como os pés, que também estavam amarrados um no outro. Tinha um
pedaço de pano servindo de mordaça na boca. Estava desacordada.
Foi até o armário de metal. Pegou um
par de luvas, um par de sacos plasticos, um tapa pó, uma máscara, dessas que os
médicos e dentistas usam, uma viseira de acrílico, semelhante aos EPI's de
marcineiros e uma touca de plástico verde clara.
Vestiu todo os aparatos. Cobriu seus
pés com os sacos plásticos e foi até a banheira.
Ficou admirando a jovem. Ela vestia
uma blusa branca com uma estampa da Betty Boop. Calça suplex azul modelando um
corpo já deliciosamente modelado. Seus cabelos eram negros. Se ela estivesse
deitada no chão do estúdio, poder-se-ia dizer que a menina não tinha cabelo,
tamanho seria o mimetismo. Calçava tênis branco com detalhes em rosa. Com
certeza ela estava praticando exercícios.
Gabriel estava extasiado com a bela
menina. Ficou adimirando-a por um tempo. Viu sangue em sua boca. Com todo o
cuidado, girou a cabeça da menina levemente para a esquerda e para longe da
loça da banheira. Pôde ver em hematoma em sua bochecha direita. Tocou o lábio
dela. Viu que ela teve alguma reação. Estacou. Não. Ela não acordou. Puxou
suavemente o carnudo lábio da morena para baixo e viu que estava cortado. “Eu
disse pra ter cuidade... Aquele filho da puta vai ver só...”, pensou. Os dentes
estavam intactos. “Menos mau.”
O cabelo da bela morena estava
despenteado e preso em um rabo de cavalo. Gabriel, com cuidado, soltou o cabelo
da moça e guardou o rabicó no bolso do tapa pó.
Tirou a luva direita e tocou o rosto
da jovem. Liso. Macio. Quente. Suave. Perfeito. Baixou a máscara até o queixo.
- Hey, menina. Acorde. Acorde... -
Gentilmente ele dava alguns tapinhas no lado não escoriado de seu rosto. Não
obteve resultado. Se levantou “Ah, se aquele miserável quebrou alguma coisa...
Eu juro que mato o infeliz! Eu juro!”, pensava alto. Foi até a bateria e pegou
o banquinho. Colocou ao lado da banheira, ajustou-o para ficar um pouco mais
alto, sentou-se e tentou acordar a moça novamente.
Dessa vez, Gabriel foi menos gentil. Com a mão direita,
empurrou a menina, fazendo-a balançar e repetiu um pouco mais alto os
“Acorde's”.
Agora deu resultado. A menina gemeu e
lentamente abriu os olhos. Tentou se mexer. Não conseguia. Arregalou os olhos.
Perdida, olhava em todas as direções, mas só conseguia ver a gelada louça
branca. Tentou falar, mas com a mordaça em sua boca só se ouvia “mmmff!
Humpf!”. Desesperada, começou a chorar. Quando Gabriel a tocou ela estremeceu e
ampliou o seu choro acompanhado de um suplício abafado.
- Calma... Calma... Está tudo bem...
Vai ficar tudo bem... Venha... Deixe-me ajudá-la. Vou ajuda-la a se sentar,
tudo bem? - Falava com uma voz doce e suave.
A menina balançava a cabeça como quem
disesse “não”. Gabriel não se incomodou com as negativas dela, agarrou-a por
baixo dos braços e sentou-a encostada na ponta da banheira.
- O meu nome é Gabriel. Eu sou
médico. Não se preocupe. Aquele brutamontes vai pagar pelo que fez em você,
tudo bem? - falva olhando-a serenamente nos olhos.
A moreninha tinha um olhar
aterrorizado esculpido na face. Era tocante ver o nível de medo que uma pessoa
podia expressar apenas com os olhos. As lágrimas não paravam de jorrar dos
olhos. Tremia dos pés a cabeça. Respiração descompassada. Não respondeu a
pergunta.
- Está com sede?
Agora respondeu. Ascentiu com a
cabeça, enquanto apertava os olhos, fazendo mais lágrimas espirrarem.
- Já volto. - Gabriel foi até uma
segunda porta que tinha no recinto. Era como se fosse uma dispensa na parede.
Apanhou uma garrafa d'água e um canudo. Abriu a garrafa e colocou o canudo.
- Eu vou tirar essa mordaça, ok?
Ela ascentiu. Devagar, Gabriel puxou
a mordaça e soltou-a. O trapo ainda estava preso no pescoço da jovem.
- Me ajuda, moço, pelo amor de Deus!
Me ajuda... Me ajuda! - Gabriel chegou com a garrafa próxima dos lábios da
jovem. Ela começou a sorver a água através do canudo, mas antes de chegar a
boca ela interrompeu a ação.
- Pode confiar em mim. Veja. Não tem
nada na água. - Gabriel bebu um bom gole. - Viu? - Abriu a boca mostrando que
tinha engolido.
- Por que não me desamarra? -
Perguntou assustada.
- Já vou fazer isso, minha querida.
Seja paciente.
Então, sorriu.
Após
assistir, divertindo-se, a menina tomar em segundos toda a garrafa d'água,
Gabriel perguntou:
-
Qual o seu nome?
-
Sara.
-
Que nome magnífico! - Sara não comentou – Você é linda, minha querida... - Sara
voltou a chorar – Ora, não chore... O Que houve? - Sara começou a chorar mais
sofridamente. Um choro de profunda tristeza, desespero, angústia, sofrimento e
uma pitada de raiva – Diga-me, o que há?
-
COMO O QUE HÁ?! COMO O QUE HÁ?! - Sara gelou. Não acreditava no que tinha
feito. Era o seu fim...
Gabriel
começou a rir. Foi aumentando até virar gargalhada.
-
Calma, minha querida... Calma... - Foi se aproximando da menina. S cabelos
negros lhe caiam na frente do rosto. - Vou resolver tudo agora mesmo. -
Sussurrou em seu ouvido.
Botou
a mordaça na boca da menina, que voltou ao seu choro. Levantou-se e foi à
dispensa. Pegou uma faca com doze centímetros de lâminia e um pano.
A visão da faca foi o gatilho pressionado que
disparou seu nível de desespero ao máximo. Estaria berrando para ser ouvida a
quilômetros de distância, se não fosse a maldita mordaça. Chorava. A cada passo
de Gabriel em sua direção aumentava o volume das lágrimas exponencialmente.
Gabriel
chegou ao lado da banheira e encostou a faca no ombro de Sara.
-
Shhh! Se você se mover, eu vou acabar te cortando, entendeu? Essa faca é muito
afiada... - pegou uma pequena mecha de cabelos da menina e passou a faca.
Mostrou o punhado de cabelos para ela. - Viu? Agora fica paradinha... - E foi
para trás da moreninha.
Puxou
a gola da camiseta dela e passou a faca no tecido.
-
Me desculpe se eu machucar o seu pescoço, não é a minha intenção. É que essas
roupas estão atrapalhando.
O
tecido ofereceu uma certa resistência, porque Gabriel não queria machucar a
menina, mas na quinta tentativa, ouve-se um “rasg” e as costas da camiseta se
rasgam. Gabriel foi para o lado direito de Sara, apoiou as costas da lâmina no
braço da menina e começou a forçar contra o tecido. Dessa vez não fez muito
esforço e o tecido se rompeu. Já tinha pego a medida certa. Repetiu o processo
do outro lado.
Tirou
os restos de tecido do que uma vez fora sua camiseta. Agora, as única peça que
cobria a parte de cima de seu corpo era um top para ginástica e seus cabelos.
Sara,
nesse momento, começou a rezar.
Pedia
para que o desgraçado a estuprasse e a deixasse ir embora. Ou que fizesse o que
fosse... Não se importava mais, mas que a deixasse viva. Tanto faz. Só queria
viver. Ir para casa. Não cogitava denunciá-lo. É isso. Daria sua palavra de que
não chamaria a polícia. Só queria ir para casa. Diria que fora agredida por um
lunático, desmaiou e acordara assim em um campo, em um terreno baldio ou
fábrica abandonada. Há uma enorme na cidade que está assim a mais de cinquenta
anos. Diria que não lembra do rosto do agressor, ou que ele usava uma
máscara... Uma touca ninja! Isso! Assim ESSE louco, o verdadeiro, a deixaria ir
para casa. Casa...
Casa...
O
tarado foi até seus pés e tirou seus tênis e meias. Ele puxou a barra de suas
calças pelos joelhos, para cima, com o intuito de tirar a barra das calças de
baixo das cordas que amarravam suas pernas. Começou a cortar a da perna
esquerda, pelo lado de fora da perna.
Sara
sentia o frio das costas da lâmina da faca. Sentia o frio da porcelana em suas
costas. Rezava mentalmente. Tentava falar, mas a mordaça não deixava. E o
lunático parecia não se importar se ela tinha ou não algo a dizer. Não chorava
mais. Se surpreendeu. Talvez as lágrimas haviam secado.
-
Temos que nos livrarmos dessas calcinhas e desse top agora. - Gabriel falou,
assim que terminou de cortar as calças. Sara sentia um nojo profundo do
agressor. Começou a gritar. Nada adiantava, é claro, mas tinha raiva do
maldito.
Gabriel
voltou às costas da morena e cortou a alça direita da calcinha rosa. Fez o
mesmo pelo outro lado. Já com o top, cortou as duas tiras que formavam um X nas
costas, na altura do pescoço e depois cortou a tira mais grossa que prende o
top ao corpo na horizontal também pelas costas.
Tirou
todos os restos de roupas de dentro da banheira e jogou-os em direção a
dispensa.
-
Você é realmente linda, Sara. Muito, muito, mas muito linda! De verdade! Estou
fascinado por você! Isso é privilégio de poucas, sabia? - sussurrou olhando-a
nos olhos. - Quero você para mim. Para todo o sempre!
Então,
Gabriel, lentamente, enfiou a faca no abdome da jovem, que gritava, abafada
pela mordaça. Repetiu o processo mais duas vezes, dessa vez na coxa direita e
depois na panturrilha esquerda. A menina chorava. Se retorcia. Urrava
-
Agora vai passar, meu bem. Vai passar... Shhh... Pegou o pano que a amordaçava
e a estrangulou. Assim que desfaleceu, ele continuou com a penetração da
lâmina.
Não
contou o número de vezes
O corpo foi
encontrado – 2 dias depois - numa vala na estrada que faz a ligação com a
cidade vizinha mais próxima. Estava nua e com inúmeras perfurações de quase 3cm
de espessura por 12cm de profundidade, espalhadas por todo o corpo, menos
rosto, seios e genitália.
O fazendeiro
que a encontrou disse à polícia, em seu depoimento, que na manhã daquele dia,
por volta das cinco da manhã, os cachorros não paravam de latir e ele resolveu
levantar, com arma em punho, para averiguar o que poderia ser. Sua primeira
reação foi um choque, mas ao “cair a ficha” chorou. Voltou correndo para casa,
chamou a polícia e rezou... Suplicou, na verdade, para que o... Agressor... Pelo
menos tenha a estrangulado antes de fazer as perfurações.
Não havia
sinais de estupro.
______
Pedro Porciúncula - Natural de Rio Grande, RS, sou escritor, sem saber, desde 2005/2006, época em que comecei a escrever meus primeiros contos, travestidos de “Históricos de Personagens” para RPG, mas passei a ter consciência dessa habilidade em 2010, quando, após um sonho inspirador, criei o meu blog, o Anarchy Ink. Desde lá tenho mais de 100 publicações no mesmo, onde mesclo influências, principalmente André Vianco (o responsável por me atirar de cabeça no mundo da literatura), Charles Bukowski e o rock n’ roll, na busca de encontrar um estilo próprio. Além do Blog, participei de alguns varais de Poesia da Prefeitura Municipal de Rio Grande e fui coordenador do primeiro livro do grupo do facebook “Poetas de Pijama da FURG”, ao lado de Mayara Floss, lançado na 40ª Feira do Livro da Furg.
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